Por Djalma Andrade
O eterno cantor e compositor Gonzaguinha trazia em sua música, "menino guerreiro", reflexões importantes que nos dão a real dimensão da relação do indivíduo com o seu trabalho: "o homem se humilha se castram seus sonhos. Seu sonho é a sua vida, e vida é trabalho. E sem o seu trabalho o homem não tem honra, e sem a sua honra se morre, se mata. Não dá pra ser feliz, não dá pra ser feliz"...
É sabido que essa relação do Homem com o trabalho está
para além de uma mera dinâmica fabril, e é justamente isso o que nos diz Flach
et al, 2006, ao discutir a respeito da ralação do indivíduo com seu labor. Para
o autor, “o trabalho abarca um significado maior do que o ato de trabalhar ou
de vender sua força de trabalho em busca de remuneração”.
Segundo Flach (ibidem) “há também uma remuneração
social pelo trabalho, ou seja, o trabalho enquanto fator de integração a
determinado grupo com certos direitos sociais”. Mais que isto, o autor (ibidem)
ainda sinaliza que o trabalho abarca também a função psíquica: “é um dos
grandes alicerces de constituição do sujeito e de sua rede de significado.
Processos como reconhecimento, gratificação, mobilização da inteligência, mais
do que relacionados à realidade do trabalho, estão ligados à constituição da
identidade e da subjetividade”.
Em tal conjuntura, Borsoi (2007) defende que,
“quando o trabalho começa a fazer parte da vida afetiva das pessoas, ele se
torna tão significativo (ou quase) quanto as relações amorosas que elas
constroem e – ao meu ver, não seria exagero dizer –tão necessário quanto o
sono”.
Apesar dessa expressiva dinâmica que constitui a
essência, na qual a relação sujeito/trabalho se corrobora, Borsoi (ibidem)
chama a atenção para uma realidade outra no tocante à relação indivíduo/labor,
pois “o que, afinal, podemos notar é que a atividade humana chamado trabalho
praticamente tem se restringido a uma atividade vinculada à sobrevivência
imediata e que se perpetua na repetição dos gestos e de que ela produz”.
É uma realidade que
aponta, sem cerimônia, para um paradoxo que dá forma e ritmo às novas vivências
no trabalho, afetando, assim, a relação do humano com o mesmo. Heloani e
Capitão (2003) não enxergam diferente. Para eles, “o mundo do trabalho torna-se,
de forma rápida e surpreendente, um complexo monstruoso”. E os autores (ibidem)
concluem: se por um lado poderia ajudar, auxiliar o homem em sua qualidade de
vida, por outro lado – patrocinado pelos que mantêm o controle do capital, da
ferramenta diária que movimenta a escolha de prioridades –, avassala o homem em
todos os seus aspectos. Alguns são absorvidos, exigidos, sugados.
Dentro desse
contexto extremamente complexo e paradoxal, a saúde mental do trabalhador deve
ser elemento de constante discussão dentro das organizações, pois “esse
princípio de realidade adentra e fere o psiquismo humano, fazendo com que as
pessoas sintam-se exigidas; o sentimento de impotência e de desvalorização, que
leva as pessoas pouco resistentes a degenerar-se rapidamente, avilta de si
qualquer potencial humano que pudesse se somar às conquistas da civilização”
(ibidem).
A
partir de tal dinâmica, Lancman et al apud Silva et al (2010) chama atenção
para o agravamento dos transtornos mentais dos
trabalhadores submetidos a condições penosas, e pontual tal realidade como
frequente, e traz como consequência ao trabalhador consumo de drogas, acidentes
de trabalho, incapacidade para o trabalho, afastamento do trabalho por tempo prolongado e
à exclusão do mercado de trabalho,
resultando em grandes custos ao Estado e à sociedade.
Para Jacques
(2003), essa situação é refletida nos dados estatísticos da Organização Mundial
da Saúde, que apontam os transtornos mentais na a 3ª posição
entre as causas de concessão de benefício previdenciário como auxílio doença,
afastamento do trabalho por mais de 15 dias e aposentadorias por invalidez.
Ainda segunda a autora, cerca de 30% dos trabalhadores ocupados é acometido por
transtornos mentais menores, e cerca de 10% é acometido por transtorno mental
grave.
Borsio (2007)
contenta a realidade e pontua que, “mesmo assim, é comum manter-se um suposto
distanciamento entre trabalho e saúde mental”. Para ela (ibidem), é “como se o
primeiro não pudesse dizer nada sobre o segundo, como se determinados aspectos
objetivos e subjetivos do trabalho não pudessem atuar provocando adoecimento”.
Adoecimento este que pode ser
cristalizado no âmbito do sofrimento psíquico ou no campo da doença mental, já
que os dois podem, segundo Borsio (ibidem), ser tomados como processos
qualitativamente distintos. Para Sampaio e Messias apud Borsio (2007), no
primeiro caso, diz respeito a um conjunto de mal-estares que se caracteriza
pela “dificuldade do sujeito em operar planos e definir sentidos para a vida,
aliado a sentimento de impotência e vazio, o eu sendo experimentado como coisa
alheia”. Já no segundo caso, trata-se de um “modo de reapropriação individual,
que revela o fracasso das tentativas de entender, superar, evitar ou tornar
suportável os sofrimentos psíquicos, radicalizando o processo de alienação e
fazendo o sujeito viver tensões sem expectativas de soluções”. Para o autor, em
tal realidade, dificilmente se abole “aparencialmente os polos de tensão entre
parte/todo, essência/aparência, indivíduo/sociedade,
consciência/subjetividade”.
Fazendo uma análise a respeito de tal
contexto, Codo, Soratto e Vaques-Menezes (2004,p.279, apud BORSIO 2007), buscam
em Freud a definição de saúde mental e a mesma aparece diretamente relacionada
ao trabalho, em suas próprias palavras, “saúde mental é a capacidade de amar e
de trabalhar”. Segundo esses autores, “saúde mental é a capacidade de construir
a si próprio e à espécie, produzindo e reproduzindo a si próprio e a espécie”.
Assim, “distúrbio psicológico, sofrimento psicológico ou doença mental são o
rompimento dessa capacidade”.
No tocante à promoção da saúde mental
nas organizações, é fundamental entender que “o trabalho, entretanto, pode
também levar uma vivência de prazer, ao representar a possibilidade de o
trabalhador afirmar-se como sujeito do trabalho e constituir novas formas de
ser” (FLACH et al, 2008). É o restabelecimento do nexo entre o ser, sentir, e
agir; condição esta indispensável à promoção de saúde mental na atmosfera
organizacional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BORSIO,
Ferreira Cristina Isabel. Da relação entre trabalho e saúde à relação entre
trabalho e saúde mental. Rev. Psicologia e Sociedade, volume 19, no. spe Porto
Alegre 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/
- acessado em 25/jul/2015.
FLACH,
Leonardo. et al. Sofrimento psíquico no trabalho contemporâneo: analisando uma
revista de negócio. Rev. Psicologia e Sociedade, volume 21, 2009. Disponível
em: http://www.scielo.br/
- acessado em 25/jul/2015.
HELOANI,
Roberto José; CAPITÃO, Garcia Claudio. Saúde mental e psicologia do trabalho.
Rev. São Paulo em perspectiva, 17 (2): 102-108, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/-
acessado em 5/agosto/2015.
JACQUES,
Corrêa Graça Maria. Abordagens teóricas-metodológicas em saúde/doença mental e
trabalho. Rer. Psicologia e Sociedade, volume 15, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/
- acessado em 05/agosto/2015.
SILVA, Seligmann Edith, et al. O
mundo contemporâneo do trabalho e a saúde mental do trabalhador. Rev. bras. saúde
ocup. vol.35 no.122 São Paulo Jul/2010. Disponível em: http://www.scielo.br/ - acessado em
6/agosto/2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário