Por Djalma Andrade
Se não quer adoecer, fale de suas emoções. Para os menos desavisados, essa frase do Dr. Dráuzio Varella parece
vaga. O bom do vago é que ele sempre cabe alguma coisa, é o caso das doenças.
As doenças que, do nada, invadem o nosso corpo e, mesmo com as mais variadas
facetas de sintomas possíveis, são vagas de explicações laboratoriais e,
portanto, de todo e qualquer tubo de ensaio. O vago aqui cabe algo, a
psicossomatose. Estou falando da influência direta das cargas afetivas nas
doenças e adoecer.
A
priori, para falarmos da atuação do psicológico como causa de doenças
orgânicas, é fundamental que lancemos toda a nossa ironia sobro o mito que
tende a separar o psiquismo do orgânico. “Situar as coisas em termos de causas
psíquicas versus causas orgânicas é uma característica do pensamento médico,
verdadeira armadilha epistemológica para o psicólogo, que não pode incorrer em
tal erro, pois o psiquismo também é orgânico e vice-versa” (MORETTO,
1983).
Para
o médico psiquiatra, psicanalista e psicólogo Alfredo Simonetti, a ideia de um
aspecto psicológico atuar como causa de uma doença orgânica é o próprio campo
da psicossomática, que tem demonstrado cabalmente a influência da mente sobre o
corpo, o que implica as emoções, os conflitos psíquicos e o estresse como
responsáveis diretos pela etiopatogenia das doenças.
Nas
afecções psicossomáticas, o dano físico é bem real, e sua discrição, durante
uma análise, não revela à primeira vista qualquer conflito neurótico ou
psicótico. O “sentido” é de ordem pré-simbólica e provoca um curto-circuito na
representação da palavra. Vamos tentar aqui fazer uma comparação com a maneira
pela qual os psicóticos tratam a linguagem. O pensamento do psicótico pode ser
concebido como uma “inflação delirante” do emprego da palavra com a finalidade
de preencher os espaços de vazio aterrorizante (MONTGRAIN, 1987), enquanto os
processos de pensamento dos somatizantes procuram esvaziar a palavra de sua significação
afetiva. Assim, nos estados psicossomáticos, é o corpo que se comporta de
maneira “delirante”; ele “hiperfunciona” ou inibe funções somáticas normais e o
faz de modo insensato no plano fisiológico. O corpo enlouquece.
Estamos
falando das doenças em seu âmbito natural e fisiológico, e aquelas acidentais,
oriundas de acidentes, automobilísticos, por exemplo? Seriam elas também de
natureza psicossomáticas? Pesquisas mostram que grande parte dos acidentes
acontece com pessoas que estão passando por fortes processos de ansiedade ou
conflitos psíquicos de alguma natureza. Destruir um carro é, antes de tudo,
destruir o próprio corpo, visto ser o primeiro extensão do segundo. Em atendimento a um (a) paciente, cujo caso é
extremamente psicossomático, observei que seu discurso girava em torno da destruição
de sua casa, e isso se punha para o (a) a paciente como dor insuportável... não
foi tarefa difícil perceber que, inconscientemente, tal paciente se referia a outro tipo de casa,
a “casa corpo”, corpo que agora delirava nas oscilações de fortes e
insuportáveis dores.
Mas,
enfim, por que e quando somatizamos? Somatizamos porque o ser humano é, por
natureza, um ser frágil e desprotegido, cuja sobrevivência sempre dependeu do
desenvolvimento de mecanismo de defesa, seja ele psicológico ou não. Desde o
mais remoto humano, aprendemos a desenvolver mecanismos de defesa em prol da
sobrevivência. No âmbito empírico, coloca-se aí o fogo, armamentos, estratégias
de caça... Na esfera psicológica, não é
diferente, e isso ganha corpo no próprio mundo e dinâmica humano ainda bebê. Aí,
a mãe representa, para o bebê, o principal mecanismo de defesa. As pesquisas
atuais (BRAZELTON, 1982; STERN, 1985; DEBRAY 1988) põem em evidência a
importância das primeiras trocas mãe-lactente, bem como o fato de que cada bebê
constantemente envia à sua mãe sinais que indicam suas preferências e suas
aversões. Se a mãe estiver livre de entraves internos, saberá “ouvir” as
comunicações iniciais de seu lactente. Mas pode ocorrer que uma mãe, presa de
sofrimento e angústia internos, não seja capaz de observar e interpretar os
sorrisos, os gestos e as queixas de seu filhinho e que, ao contrário, o
violente ao impor seus próprios desejos e necessidades, o que cria no bebê um
sentimento permanente de frustração e de fúria impotente. Esse tipo de
experiência pode impeli-lo a construir com os recursos de que dispõe maneiras
(mecanismos) radicais de se proteger de crises afetivas e do esgotamento que
disso pode resultar.
Segundo
o psicanalista Joice Mcdougall, muito frequentemente essas pessoas adquirem um
autonomia precoce que os faz parecer os “lactentes sábios”. Como não conseguem
confiar em ninguém, obrigam-se a cuidar de sua própria segurança física e
psíquica, como se ninguém fosse verdadeiramente confiável. Dito de outra
maneira, muito cedo eles compreenderam que deveriam ser pais para si próprios. E
um grande e comum mecanismo de defesa aqui é a insônia, como sintoma
psicossomático. As pessoas que sofrem de insônia têm que velar constantemente
por seu self-lactente, para se assegurarem de que estão fora de perigo. É o
modo de que dispõem para atenuar uma angústia de separação que poderia
abater-se sobre elas subitamente.
Somatizamos
porque precisamos de mecanismos de defesa à sobrevivência, quer seja
fisicamente, que seja psicologicamente; e psicossomatizamos quando toda e
qualquer carga afetiva transborda, ultrapassa toda e qualquer possibilidade de
defesa. Daí, é imperioso concluir que toda e qualquer doença é uma tentativa de
cura de si... é psicossomática.
REFERÊNCIA
_____MCDOUGALL,
Joyce. Teatro do Corpo: o psicossoma em psicanálise. 3ªed. São Paulo: ed.
Martins Fontes, 2013.
_____SIMONETTI,
Alfredo. Manual de psicologia Hospitalar: o mapa da doença. 7ªed., São Paulo:
casa do psicólogo, 2013.
_____ANGERAMI,
Valdemar Augusto (ORG.) Psicossomática e suas interfaces: o processo silencioso
do adoecimento. São Paulo: ed. Cengage Learning, 2012.
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